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EFEITOS DELETÉRIOS DA CASTRAÇÃO

CASTRAÇÃO DE CÃES – VAMOS FALAR DO LADO NEGATIVO?

Antes de mais nada este não é um texto contra a castração. Como sabemos esta é  fundamental no controle populacional de cães e gatos. Entretanto cabe a nós, Médicos Veterinários, compreendermos todas as suas implicações para podermos orientar nossos clientes. O que devemos ter em mente é que os hormônios não são unifuncionais – seus efeitos são sistêmicos, portanto a retirada das gônadas implica em muito mais que apenas o fim da capacidade reprodutiva.

UM POUCO DA HISTÓRIA

A castração de cães é tida mundialmente como importante ferramenta do controle populacional e como elemento fundamental para a saúde pública. As políticas públicas referentes a cães e gatos foram implantadas em princípio como ação preventiva da Raiva (Instituto Pasteur 2000), e incluíam a captura e eliminação de animais de rua, com indicação da captura de no mínimo 30% da população canina estimada (Brasil, 1973). Em meados dos anos 90 o foco passou a ser o descontrole populacional. Estes dois momentos históricos podem ser divididos nas etapas de “ captura e eliminação de animais” e “prevenção ao abandono” (Santana e Oliveira, 2008). A captura e eliminação de animais resultou da primeira abordagem assumida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1973 para o controle da Raiva, descrita no 6º Relatório do Comitê de Especialistas em Raiva da OMS (1973). Em 1984, a OMS reconhecia quatro métodos práticos para o controle canino e felino: confinamento de animais com proprietário, captura e remoção, controle de habitat e controle reprodutivo, sendo que o último foi contemplado em guia específico, em 1990, pela OMS e WSPA e depois incluído no 8º Relatório do Comitê de Especialistas em Raiva (OMS, 1992). Finalmente, em 2005, três métodos para o controle da população canina foram indicados como base para o descontrole populacional: restrição de movimentos, controle de habitat e controle da população, também reconhecendo a importância dos programas de controle reprodutivo de animais de rua abandonados, com a finalidade de diminuir a renovação populacional e o consequente número de animais suscetíveis à Raiva e limitar os aspectos do comportamento do macho canino (brigas e dispersão) (OMS, 2005).

No Brasil, nos últimos 20 anos, houve gradual mudança de paradigma onde o controle populacional realizado pela captura e eliminação foi sendo substituído pelo incentivo ao controle reprodutivo e o conceito de “posse responsável” e prevenção do abandono foram ganhando importância. A primeira prefeitura no Brasil que instituiu ações para o controle reprodutivo de cães e gatos foi a Prefeitura de Taboão da Serra, estado de São Paulo, em 1996, juntamente ao registro e identificação, educação, participação social e cuidados à saúde animal (Garcia, 2001). Em 2007, São Paulo lançou o primeiro programa estadual brasileiro para o controle populacional de cães e gatos, incluindo o controle reprodutivo, recolhimento seletivo e políticas diferenciadas para animais comunitários (São Paulo, 2006), seguindo orientações da Organização Mundial de Saúde (2005).

Em 2008 a proibição da eliminação de animais sadios no estado de São Paulo (Lei estadual 12.916) completa a mudança do paradigma, levando as ações de saúde pública na direção do equilíbrio populacional de cães e gatos.

Todo este processo acima descrito envolveu o desenvolvimento de campanhas de castração de animais, contemplando em princípio animais “de rua”, mas depois de estendendo à animais domiciliados. Atualmente a castração é divulgada como benéfica para a prevenção de doenças e como forma de evitar problemas comportamentais, principalmente os relacionados à agressividade e marcação de território. Como o princípio da esterilização de animais está relacionado primariamente ao controle populacional e à saúde pública – e atualmente é o que norteia as políticas públicas - entende-se que consequências deletérias que possam ser causadas pela castração recebam pouca atenção e sejam vistas mesmo como “perigosas” à saúde pública.

 

ESTUDOS SOBRE OS EFEITOS ADVERSOS DA CASTRAÇÃO

Notoriamente na última década alguns estudos apontaram para efeitos adversos da castração, entretanto já temos indícios em pesquisas desde a década de 80. Abaixo segue uma pequena compilação e a bibliografia para os interessados em aprofundar o assunto:

Estudo sobre osteosarcoma em diversas raças mostrou que os cães castrados apresentaram duas vezes mais chance de desenvolver a doença que os cães inteiros (1). Outro estudo em Rottweillers mostrou que a ocorrência de osteosarcoma para cães castrados antes de 1 ano de idade foi de 3 a 4 vezes maior que em cães inteiros (2).

Estudo sobre tumores cardíacos mostrou que o hemangiosarcoma teve ocorrência quatro vezes maior em fêmeas castradas em relação a fêmeas inteiras (3). Estudo sobre hemangiosarcoma esplênico mostrou sua ocorrência duas vezes maior entre fêmeas castradas (4).

Estudo sobre a epidemiologia do linfoma em cães mostrou que fêmeas inteiras tiveram um risco significativamente menor de apresentarem a doença que fêmeas castradas e machos (5). Outros estudos mostraram a maior ocorrência de câncer de próstata em machos castrados em relação a machos inteiros (6) e mastocitomas em fêmeas castradas com a ocorrência quatro vezes maior que em fêmeas inteiras (7).

Outros estudos mostraram a maior ocorrência em distúrbios comportamentais em animais castrados em relação a animais inteiros: fobia a barulhos, aumento de comportamentos agressivos, latidos excessivos e maior possibilidade de desenvolvimento de ansiedade de separação (8) e aumento da agressividade por fêmeas castradas em relação aos seus Tutores (9).

Estudos em raças específicas, que receberam grande atenção da mídia especializada recentemente, também mostraram  a maior ocorrência de problemas ortopédicos e comportamentais, além de cânceres, em cães castrados em relação a cães inteiros. Estudo com 759 Golden Retrievers mostrou a ocorrência duas vezes maior de displasia coxo-femoral entre cães castrados precocemente que entre cães inteiros, bem como a maior ocorrência de rompimento do ligamento cruzado cranial, de linfosarcoma (três vezes maior ocorrência em machos castrados que machos inteiros), além de mastocitomas e hemangiosarcomas (10). Estudo com 2505 Vizlas mostrou maior ocorrência de mastocitomas (3.5 vezes maior em machos e fêmeas castrados), hemangiosarcomas (9 vezes maior entre fêmeas castradas), linfosarcoma (4.3 vezes maior em machos e fêmeas castrados) e outros tipos de câncer (5 vezes maior em machos e fêmeas castrados), além de maior risco de desenvolvimento de problemas comportamentais em animais castrados (ansiedade de separação, timidez, excitabilidade, agressividade, hiperatividade) (11).

 

CASTRAÇÃO E ENDOCRINOPATIAS

Estudo com 3206 cães diagnosticados com hipotireoidismo mostrou maior risco no desenvolvimento da doença entre cães castrados (fêmeas castradas apresentaram um maior risco significativo que fêmeas inteiras, enquanto machos castrados mostraram 30% maior ocorrência que machos inteiros, apesar desta diferença não ter alcançado significância estatística) (12).

Estudos com cães diabéticos mostraram maior ocorrência da doença entre machos castrados em relação a machos inteiros mas não entre fêmeas castradas e inteiras (14).

Estudo sobre a relação da castração e o Hiperadrenocorticismo está em andamento pelo autor. Dados iniciais em mais de 50 cães estudados mostram significativa relação entre a doença e a castração (dados não publicados).

 

CONCLUSÃO

Um dos principais argumentos para a castração de fêmeas é a redução do risco do desenvolvimento de neoplasias mamárias. Apesar de bastante importante o potencial preventivo da OSH precoce, os tumores mamários, se identificados no início, são relativamente de fácil tratamento, o que não é o caso em outros cânceres relacionados ao estado reprodutivo.

Antes de recomendarmos a castração é importante considerarmos os riscos e benefícios envolvidos mas é fundamental levarmos em conta a situação domiciliar de cada animal: os Tutores parecem ser responsáveis? O animal terá acesso à rua desacompanhado? Há outros cães na residência? Qual a raça do cão (há propensão para distúrbios relacionados ao estado reprodutivo)? E o sexo?

Não podemos esquecer que há técnicas de esterilização que não implicam na retirada das glândulas, como a vasectomia, histerectomia e laqueadura. São procedimentos relativamente simples mas ainda muito pouco utilizados na Medicina Veterinária, mas que merecem nossa atenção enquanto possíveis alternativas à castração.

Em última instância cabe a nós, Médicos Veterinários, apresentarmos os prós e os contras e as alternativas para o Tutor tomar uma decisão informada.


1 - Ru G, Terracini B, Glickman LT (1998) Host related risk factors for canine osteosarcoma. Vet J 156: 31–39. doi: 10.1016/s1090-0233(98)80059-2

2 - Cooley DM, Beranek BC, Schlittler DL, Glickman MW, Glickman LT, et al. (2002) Endogenous gonadal hormone exposure and bone sarcoma risk. Cancer Epidemiol Biomarkers Prevent 11: 1434–1440.

3 - Ware WA, Hopper DL (1999) Cardiac tumors in dogs: 1982–1995. J Vet Intern Med 13: 95–103. doi: 10.1892/0891-6640(1999)013<0095:ctid>2.3.co;2

4 - Prymak C, McKee LJ, Goldschmidt MH, Glickman LT (1988) Epidemiologic, clinical, pathologic, and prognostic characteristics of splenic hemangiosarcoma and splenic hematoma in dogs: 217 cases (1985). J Am Vet Med Assoc 193: 706–712.

Nm kj9 - Villamil JA, Henry CJ, Hahn AW, Bryan JN

5 - Tyler JW, et al. (2009) Hormonal and sex impact on the epidemiology of canine lymphoma. J Cancer Epidemiol 2009: 1–7 doi:10.1155/2009/591753.

6 - Teske E, Naan EC, van Dijk E, Van Garderen E, Schalken JA (2002) Canine prostate carcinoma: epidemiological evidence of an increased risk in castrated dogs. Mol Cell Endocrinol 197: 251–255. doi: 10.1016/s0303-7207(02)00261-7

7 - White CR, Hohenhaus AE, Kelsey J, Procter-Grey E (2011) Cutaneous MCTs: Associations with spay/neuter status, breed, body size, and phylogenetic cluster. J Am Anim Hosp Assoc 47: 210–216. doi: 10.5326/jaaha-ms-5621

8 - Spain CV, Scarlett JM, Houpt KA. Long-term risks and benefits of early-age gonadectomy in dogs. J Am Vet Med Assoc 2004;224:380–387.

9 - Hart BL, Eckstein RA. The role of gonadal hormones in the occurrence of objectionable behaviours in dogs and cats. Appl Anim Behav Sci 1997;52:331–344.

10 - Torres de la Riva G, Hart BL, Farver TB, Oberbauer AM, McV Messam LL, et al. (2013) Neutering Dogs: Effects on Joint Disorders and Cancers in Golden Retrievers. PLOS ONE 2013 8 (2) e55937 doi:10.1371/journal.pone.0055937.

11 - Zink MC, Farhoody P, Elser SE, Ruffini LD, Gibbons TA, Rieger RH. Evaluation of the risk and age of onset of cancer and behavioral disorders in gonadectomized Vizslas. J. Am Vet Med Assoc. 2014 Feb 1; 244(3):309-19. doi: 10.2460/javma.244.3.309.

 

16 – K.L. Milne, H.M. Hayes. Epidemiologic features of canine hypothyroidism. Cornell Vet, 71 (1981), pp. 3 - 14

 

17 - M. Marmor, P. Willeberg, L.T. Glickman, W.A. Priester, R.H. Cypess, A.I. Hurvitz. Epizootiologic patterns of diabetes mellitus in dogs. American Journal of Veterinary Research, 43 (1982), pp. 465–470

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