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COLECIONISMO (acumulação compulsiva) DE ANIMAIS

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PROTECIONISMO

 

Cada vez mais estamos nos familiarizando com o Colecionismo (ou Acumulação Compulsiva) de Animais, seja através de programas televisivos ou na nossa prática clínica. O Colecionismo ainda é mal compreendido, havendo quase total despreparo entre profissionais para lidar com a doença. Mas afinal o que é o Colecionismo, quais suas causas, “tipos” e qual a sua relação com o Protecionismo?

 

Basicamente podemos definir o Colecionismo Animal como a acumulação de grande número de animais sem prover o cuidado adequado, ao mesmo tempo desenvolvendo a Negação desta falta de cuidado. É um comportamento patológico que envolve a necessidade compulsiva de obter e manter animais, sem, entretanto, reconhecer seu sofrimento.

 

Assim, o Colecionista, além de possuir grande número de animais, é incapaz de prover o mínimo esperado de alimentação, higiene, atenção e cuidados veterinários, resultando em doenças e morte por má nutrição, doenças infecciosas e ferimentos não tratados. Há a negação tanto da incapacidade de prover esses cuidados mínimos quanto em reconhecer o impacto que esta falta de cuidados tem sobre os animais sob sua tutela, sobre si próprio e nos outros eventuais ocupantes humanos do ambiente. O indivíduo persiste compulsivamente, mesmo diante destes fracassos, em acumular animais.

 

ALGUNS DADOS:

  • Descrito pela 1ª vez em 1981

  • Mulheres mais afetadas (76%)

  • Faixa etária variável, mas afeta mais pessoas acima dos 60 anos (46%)

  • Metade vive sozinha (55,6%)

  • 72% são viúvos, divorciados ou solteiros

  • EUA: aproximadamente 250.000 animais resgatados de colecionistas anualmente

  • 1/3 dos colecionistas (que também podem acumular objetos) acumulam animais

 

 

  • ETIOLOGIA

Em geral o Colecionista cresce em família com pais abusivos. Para se proteger psicologicamente do abuso, o indivíduo estabelece mecanismos que o permitem evitar perceber o desejo dos pais em maltratá-lo – ou seja, há uma falha básica no processamento empático. Este abuso e negligência crônicos na infância podem alterar os circuitos neuronais límbicos e pré-frontais, com prejuízo permanente ao processamento de emoções. Esta deficiência empática leva à desconsideração das experiências subjetivas (incluindo o sofrimento) dos animais.

 

Quando o indivíduo relata seu histórico, em geral temos uma idealização da infância, onde o Colecionista se imagina amado pelos pais abusivos e com uma relação íntima com animais.

 

Muitas vezes o Colecionismo é desencadeado por evento traumático (morte, separação, saída dos filhos de casa, etc.), mas estes eventos são apenas o gatilho de uma condição pré-existente.

 

 

  • CARACTERÍSTICAS

O Colecionista se considera um cuidador, muitas vezes um protetor dos animais sob seus “cuidados”. A acumulação é, em geral, ego-sintônica (não há conflito consciente envolvido) e um sentimento missionário de “salvar” os animais permeia a condição.

 

A acumulação pode ser passiva (animais são deixados aos cuidados do Colecionista por vizinhos, etc.) ou fortemente ativa (o indivíduo recolhe das ruas ou compra os animais, em geral de forma compulsiva).

 

Uma característica que na grande maioria dos casos está presente é o grande medo da morte (e da perda) dos animais. Não é incomum a negação da morte e acúmulo de animais mortos. A eutanásia é vista com horror...

Apesar do amor e desejo professados de cuidar dos animais, há tremenda negligência e sofrimento dos animais. Invariavelmente o acumulador irá ignorar, minimizar ou negar fatos óbvios como subnutrição extrema, doenças, morte e degradação do ambiente.

 

 

  • “TIPOS” DE COLECIONISTAS

Nem sempre é possível identificar prontamente o Colecionismo, nem tampouco a doença se instala repentinamente; geralmente envolve anos de evolução.

 

Mais importante, o Colecionismo pode estar disfarçado de Protecionismo, com ampla rede de relacionamentos com pessoas que permitem o surgimento e a sustentação do problema, seja facilitando a aquisição de animais, seja auxiliando no cuidado dos mesmos. Nem sempre há o isolamento social! Lembre-se, o Colecionista não se considera doente; sua acumulação vem sempre justificada pela necessidade de cuidar dos animais.

 

Podemos então identificar 3 “tipologias” básicas de Colecionistas: o “Cuidador Sobrecarregado”, o “Colecionista Explorador” e “O Colecionista Protetor”.

 

  • “Cuidador Sobrecarregado”

Neste caso os indivíduos tem maior consciência da quantidade exagerada de animais e das dificuldades em provê-los do necessário. A acumulação em geral é mais passiva. Há dificuldade em lidar com os problemas, o que é dificultado pelo isolamento social. A auto-estima encontra-se fortemente relacionada ao papel de cuidador, que é o centro da vida do indivíduo.

 

Estes indivíduos são em maior grau passíveis de receberem ajuda e reduzirem o número de animais.

 

  •  “Explorador”

O explorador geralmente se relaciona com a criação e venda de animais, sem preocupação com seu bem-estar e sem prover condições mínimas de conforto e cuidados. Aqui estamos lidando com indivíduos com características sociopáticas, com falha empática acentuada em relação a pessoas e animais. São indiferentes ao mal causado e não apresentam culpa ou remorso.

 

Nestes casos apenas uma intervenção policial e legal tem chance de sucesso, mas é provável que o indivíduo volte a acumular e explorar animais.

 

  • “Colecionista Protetor”

O Colecionista Protetor vê o acúmulo de animais como uma missão de salvamento. O resgate de animais abandonados e/ou maltratados se torna compulsiva, sendo a acumulação em geral mais ativa. O indivíduo se vê como o único que se importa e pode prover cuidados aos animais. No início os animais resgatados são ativamente colocados para adoção, mas com a evolução do quadro as adoções vão progressivamente sendo dificultadas até que cessam por completo. É este o quadro em que o Protecionismo e o Colecionismo se confundem, onde o doente pode inclusive ter um sistema de suporte (voluntários, doadores, etc.).

 

Estes indivíduos são muito resistentes à persuasão verbal e em geral se recusam a aceitar ajuda ou a diminuir o número de animais.

 

 

Como exposto acima, o Protecionismo e o Colecionismo podem sim coincidir. O grande diferencial seria a dificuldade imposta pelo Colecionista para a adoção dos animais sob sua tutela. No desenvolvimento da doença, futuros possíveis adotantes passam por escrutínio cada vez mais severo até que virtualmente ninguém é considerado capaz de prover aos animais o mesmo grau de “cuidado” e “amor” que o Colecionista julga ter.

 

É importante ressaltar que o Protecionismo não é sempre um grau menos desenvolvido do Colecionismo. Há Protetores realmente dedicados ao bem estar dos animais sob sua responsabilidade e buscando ativamente a adoção dos mesmos. Entretanto podemos verificar algumas características em certos Protetores que podem sugerir a doença incipiente.

 

Colecionistas Protetores, mesmo no início do desenvolvimento da doença (ainda Protetores), em geral apresentam atitude missionária de querer “salvar” os animais desprotegidos. Sua auto-estima é fortemente vinculada ao seu papel de proteger animais necessitados – na verdade toda a construção do seu Ego vincula-se ao papel de “Protetor”. A eutanásia é vista com horror e a vida pela vida, independente do bem-estar dos animais sob seus cuidados, é priorizada. Muitas vezes se colocam como mártires, pois sofrem pelos animais abandonados e se “sacrificam” por eles (abandonando cuidados básicos com sua própria saúde, higiene, alimentação, etc.). Esta atitude leva a conflitos inevitáveis com os familiares e com outras pessoas do convívio, que muitas vezes se afastam. Em geral a relação com o Médico Veterinário é conturbada, pois não concebe como alguém pode cobrar para cuidar dos animais sob o seu cuidado (já que se “sacrifica” tanto pelo “bem” dos animais e o MV deveria fazer o mesmo), além de não admitir críticas. Da mesma forma que nos estádios mais desenvolvidos da doença, há uma falha empática que os impede de perceber o sofrimento e mau estado dos animais sob sua tutela, pois se vêem como absolutamente dedicados ao cuidado e bem estar destes.

 

Os Colecionistas sentem que vivem pelos animais – infelizmente os animais sofrem e morrem por conta disto...

 

Atualmente há sim a possibilidade de tratamento psicológico da doença, mas o sucesso ainda é relativo, com muitos doentes voltando a acumular animais após intervenções inicialmente bem sucedidas. Muitos se recusam a procurar tratamento.

 

Os animais, na minha opinião as maiores vítimas da doença, ainda não contam com a proteção necessária, mas a denúncia, principalmente em áreas urbanas com limite claro para a quantidade de animais por residência, pode ser o único instrumento disponível para confrontar o Colecionista e talvez promover o início do tratamento...

 

Alexandre Bastos Baptista

Médico Veterinário Endocrinologista

Psicólogo Clínico

 

 

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